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COMIDA JAPONESA NO BRASIL

Abordando histórica e etnologicamente as raízes da cultura alimentar japonesa, professor Mori investiga como a gastronomia nipônica se adaptou, tanto do ponto de vista da cultura material bem como da cultura imaterial, às peculiares realidades objetivas encontradas em nosso país — passando por um amplo grau de diferenciação em relação ao quadro tradicional, revelando-se um sistema aberto: em diálogo com o exterior, flexível a ponto de transformar-se, variando e adotando novidades.
Atualmente, após um verdadeiro boom, lembrou o pesquisador, a culinária japonesa entrou na moda: são mais de 600 restaurantes em São Paulo, número superior ao de churrascarias. Essa comida, outrora tida como “incomível” — para muitos, o fato do peixe ser ingerido cru trazia, conjugada à incredulidade, certa repulsa fisiológica —, superou a imagem negativa.
O sushi e o sashimi, o missô (pasta de soja) e o shoyu (molho de soja) — ambos fermentados, o que representava problema de aceitação —, o “arroz de sushi” adocicado e o nori (folha de algas marinhas) — de aprovação também duvidosa —, acabaram se afirmando, sobretudo nos últimos trinta anos, como saborosos, saudáveis e esteticamente apurados. O peixe cru — livre, estranhamente, de qualquer “gosto de maresia” — viu seu simbolismo mudar, passou a significar algo fresco.
Professor Mori destaca a gastronomia japonesa, no início do milênio, como uma das principais matrizes culinárias globais. “O mundo está tão integrado”, comenta, “que a cozinha não poderia ficar de fora dessa fusão entre Oriente e Ocidente”. O sushi conquistou o planeta, observa, numa tendência dinâmica de inovação e não de manutenção de uma “nipocidade perfeita”. A imensa maioria dos restaurantes paulistanos, por exemplo, num contexto híbrido, não serve comida japonesa “clássica”: mistura sabores e técnicas, inventa uma culinária eclética de intercâmbio e adaptação.
Para destacar a realidade construída na cidade de São Paulo, razoavelmente próxima daquela que se viu na expansão acentuada da gastronomia japonesa nos Estados Unidos (principalmente em Los Angeles, que nos antecedeu), Mori organiza uma lista indicando a elasticidade das adaptações geradoras do nosso modelo de comida japonesa (melhor, segundo o estudioso, seria referir-se a ela como “comida brasileira de inspiração japonesa”):

1. Preparações salgadas menos adocicadas que no Japão;
2. Emprego do shoyu e do missô nacionais. Nosso produto é bem diferente do japonês (feito com soja e trigo, sem a presença de milho);
3. Sushis com a metade do tamanho normalmente encontrado no Japão, para que o cliente não precisasse “encher a boca”, comportamento considerado inapropriado na cultura alimentar brasileira;
4. Sushis mais prensados, pois o brasileiro utiliza o molho de soja em quantidades maiores, dando um verdadeiro banho no bolinho;
5. Predileção por uma pequena variedade de peixes: o de carne branca, o amarelo (salmão) — largamente preferido — e o vermelho (atum). No Japão, a diversidade de peixes e frutos-do-mar empregados é vastamente maior;
6. Sushis de salmão defumado;
7. Emprego de frutas tropicais: abacaxi, manga, kiwi, e até mesmo abacate;
8. Uso eventual de um pouco de sumo de limão, principalmente em peixes de carne branca, para quebrar o paladar forte, adaptando ao gosto típico mais convencional;
9. Sushis ou sashimis de peixes brasileiros de água doce;
10. Invenção do uramaki, literalmente, “enrolado pelo avesso”. A folha de alga é posicionada na parte interna e não na cobertura externa do sushi, ficando dissimulada, já que muitos clientes não gostam da idéia de comer “papel-carbono”;
11. Inovações na disposição dos pratos e nas regras para servir à mesa: festivais de sushi, rodízios, buffets, “por quilo”, “combinados” — belos arranjos apresentados, normalmente, sobre um barco de madeira;
12. “Sakerina”: caipirinha, o mais brasileiro dos drinques, preparada com saquê;
13. Uso de azeite e de alho em algumas preparações.

São essas estratégias de abrasileiramento, distantes dos compromissos com a tradição culinária de origem, que fizeram a gastronomia japonesa vencer a barreira étnica, geográfica e simbólica. O sushi, de prato principal transformou-se em entrada, presente inclusive em churrascarias de rodízio. Comida antes incomum, passa a ser provada freqüentemente, populariza-se.
Outro fator contaminador foi larga emprego da mão-de-obra nordestina nas cozinhas e salões japoneses em São Paulo. Esse pessoal, que não estava preso aos valores culturais nipônicos, incentivou uma nova abordagem da cozinha japonesa, muito mais próxima do gosto dos brasileiros.
Curiosamente se nota, a maioria das pessoas percebe e partilha tão pouca coisa a respeito do Japão que, incapaz de reconhecer a falsa experiência, aceita a mais leve sugestão de ligação histórica (decoração orientalista com lanternas de papel, “gueixas” como garçonetes ou “pauzinhos” para comer), sem preocupações com a legitimidade ou com a pureza. O que se vivencia não é o Japão (cultura intensa, grandiosa) é sim o modo como se espera que o Japão seja. Claro que, como professor Mori indica, e isso importa de maneira definitiva, a comida em si, bastante diferente da original, muitíssimo bem adaptada, é uma delícia!